14.8.24

Crónica da porta


Era uma vez uma porta. Toda a gente sabia o que era uma porta, fosse ela de que tipo ou dimensão fosse. Todos sabem utilizar uma porta, seja ela bonita ou feia. Poucos sabem que há portas que padecem de uma solidão crónica, pois são cada vez mais as portas abandonadas à sua sorte. Muitas portas até perdem a casa em que vivem, pois quando as paredes caem, vão com elas as portas. Muitos deixaram de utilizar muitas portas, as quais vivem abandonadas à sua sorte e têm muitas vezes apenas como companhia as silvas e os ratos, ou mesmo os gatos que ainda sabem caçar ratos. Ou então portas que são violadas por estranhos para se verem expoliadas das riquezas guardadas por detrás das mesmas. Há muitas justificações para esta solidão das portas, causadas pelo despovoamento. Há muitas portas que podem culpar a má gestão do nosso território, onde se continua a insistir em portas onde poucos querem entrar. Muitos saem pelas portas que mais gostavam e sofrem ao longe esta solidão das portas que tanto gostavam e que tanto lhes diziam. Os idosos saem pelas portas, numa maca ou num caixão, quando a sua vida chega ao fim da viagem e os mais novos saem, pelo próprio pé, pelas portas que não os valorizam e/ou criam, de facto, oportunidades. Ao invés de se alterar o paradigma, o qual poderia levar a uma mitigação desta solidão das portas, insiste-se em fórmulas gastas, daí a crise das portas solitárias se vá prolongar por décadas.

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