Um dia teria inevitavelmente de surgir o debate sobre uma questão muito particular, relacionada genericamente com o decorrer de provas desportivas na região de Sicó, as quais se desenrolam por esta bela paisagem. Se é certo que este facto tem trazido centenas de pessoas à nossa região, também é agora certo que nem tudo corre bem, decorrente destas mesmas provas desportivas. É certo que a intenção é boa, no entanto...
O facto de associações e/ou empresas poderem organizar livremente provas desportivas, caso de BTT e trail (entre outras) tem levado a que actualmente se comecem a constatar problemas associados. Isto acontece por vários motivos, desde o pleno desconhecimento de regras básicas, até ao desconhecimento de regras que, não sendo básicas, são fundamentais para um correcto desenvolvimento destas provas nesta região muito peculiar. Isto já para não falar que há provas que são feitas sem autorização de algumas entidades públicas, as quais apesar de até saberem, deixam passar...
Tenho constatado alguma falta de preparação de indivíduos, associações e empresas, o que significa que já observei alguns problemas decorrentes desta impreparação. A falta de regras e do cumprimento de algumas já existentes, tem levado a que o enorme aumento de provas de BTT e trail esteja a ter reflexos negativos, muitas vezes sem que as pessoas se apercebam.
Já falei desta questão a alguns amigos e já senti na pele algum incómodo por surgir a conversa do costume, do suposto fundamentalismo, o que afinal até foi bom, pois alertou-me para algo e fez-me investir uns minutos neste comentário. Assim sendo, venho desta forma mostrar que não é fundamentalismo, é sim pugnar pelo cumprimento de regras, o que permite algo de muito simples, a continuação da existência de provas deste género por muitos e bons anos. Gostar não é dizer apenas que se gosta, gostar é preservar, e isso implica, por vezes, medidas pouco populares no curto prazo (embora populares no médio e longo prazo).
Em primeiro lugar, há que referenciar que eu participo quer em provas de BTT, quer em provas de trail, daí não ser daqueles que fala sem saber.
As consequências da passagem de centenas de pessoas ou bicicletas num local, podem variar, já que há locais mais sensíveis e locais menos sensíveis. Não pretendo fazer uma análise de conjunto, mas sim pegar em dois exemplos e falar de dois troços (sensíveis) dos respectivos percursos. Penso que será fácil qualquer um entender que numa área protegida, ou numa área que não sendo protegida é sensível, têm de se tomar medidas especiais, decorrentes da sua evidente vulnerabilidade.
Em primeiro lugar, falo do caso do "Trilho do Javali", um trilho de BTT que foi aberto há mais de 3 anos. Este trilho situa-se numa vertente da serra do Casal Soeiro, em Ansião. Há semanas atrás fui então fazer o trilho a pé, com a máquina fotográfica ao ombro, de modo a registar aquilo que importava destacar em termos de problemática. Nunca fiz aquele trilho de bicicleta, já que por uma questão de coerência não participo em provas que sei à partida desrespeitarem regras que considero básicas.
A minha principal preocupação era a erosão associada à abertura de um trilho naquele local, especialmente tendo em conta o declive no segundo terço da vertente. Não precisei de andar muito até me deparar com algo de preocupante, a malvada erosão.
Nesta segunda fotografia, está à vista a erosão (inicial) ocorrida nos últimos 2 a 3 anos, num sector mais declivoso. Não será difícil perceber que em poucos anos, e com episódios de elevada pluviosidade, aquele sulco irá crescer, resta saber a dimensão que terá depois de muita chuva cair e milhares de bicicletas ali passarem.
Na primeira fotografia, está à vista o que fica depois de alguém pegar numa marreta e andar a partir lapiás à grande e à francesa, mesmo que isso seja proibido (Rede Natura 2000). Quem andou de marreta na mão nem sequer se deu ao trabalho que ver que até estavam ali fósseis...
Não gostei também de constatar que dois muros foram postos abaixo, de forma a que as bicicletas pudessem passar. Será isto preservar o património?!
Nesta quarta fotografia, mostro o trilho linear pelo meio do carvalhal. A ver vamos como vai ficar o sulco daqui a uns tempos. E depois, quando estorvar, abre-se um outro ao lado?
Passo agora a um outro exemplo, mas relacionado com uma prova de trail realizada em Fevereiro último (Trail de Conímbriga). Este troço situa-se no vale das buracas, local de interesse geomorfológico de interesse nacional, o qual devia estar devidamente protegido e ter já um plano de gestão.
No troço que destaco, não deveria passar quaisquer prova, já que é uma área muito sensível. Caso passasse na estrada em terra batida, aí até poderia concordar, mas agora passar num local onde não havia trilho e onde a inclinação é de 45º, aí é que não.
A Câmara Municipal de Condeixa deveria, no meu entender, promover factualmente a preservação do local, e não permitir a degradação do mesmo, pois é isso que está a acontecer. Uma coisa é passar pela estrada em terra (brita), outra é passar por onde não faz sentido, onde só degrada. Urge um plano de gestão deste LIGeom.
Fui ao local, já depois da prova, para elaborar um registo fotográfico que me permita monitorizar a situação nos próximos anos, coisa que ninguém se lembra de fazer. Não gostei de, passados 2 dias, constatar que as fitas de marcação ainda não tinham sido retiradas.
Penso que esta última fotografia é a que mais facilmente é percepcionada por todo/as, já que consegue-se observar o que fica depois da passagem de centenas de pessoas por aquele local com cerca de 35 a 40º de inclinação. Estes locais não aguentam tanta gente e todos os locais têm uma capacidade de carga limitada, a qual não deverá estar estudada para aquele local.
De todo o trajecto, cerca de 22 km, estes 400 metros eram de evitar. Com tanto caminho, para quê passar num local que além de sensível, não tinha caminho?
E, para finalizar, deixo algumas ligações, onde os interessados por esta problemática podem de alguma forma perceber (caso entendam inglês) a problemática associada aos trilhos:
Como já referi, não é uma questão de fundamentalismo nem de imobilismo, é sim de preservação de locais de grande valor patrimonial. Para isso há que criar regras que permitam o usufruto deste património de uma forma sustentada, só assim poderemos realmente usufruir das coisas que gostamos!
Penso que depois deste comentário, fica "tudo" esclarecido, podendo agora ser lançado um debate, sem estereótipos.