Apesar de já terem passado alguns dias sobre a divulgação da notícia insólita, ainda estou a tentar compreender como é que é possível fazer uma gestão tão contraproducente de uma das principais maravilhas naturais da região de Sicó, as grutas Talismã.
Antes de começar o comentário, nada melhor do que apresentar os factos:
«Espeleólogos Italianos apresentaram Talismã em 3 dimensões
Durante 13 dias um grupo de 15 espeleólogos da Federação de Espeleológica Pugliese, vindos do sul de Itália, estudaram 2,5 Km das Grutas Talismã. Este estudo teve origem num acordo celebrado entre o Município de Penela, a Universidade de Coimbra e a Federação Espeleológica Pugliese com o objectivo de aprofundar o conhecimento do património geológico e espeleológico de Penela. Foi realizado um levantamento topográfico detalhado, utilizando equipamentos de última geração, para o levantamento e processamento digital de dados in situ, via bluetooth e computadores portáteis utilizados dentro das grutas, o resultado final foi uma reconstituição gráfica bidimensional e tridimensional das zonas estudadas das Grutas Talismã. Os dados científicos obtidos sobre o ambiente cársico subterrâneo podem também contribuir para a identificação de elementos que caracterizam o património geológico e geomorfológico, elementos que vão constituir a bagagem dos recursos identificativos passíveis de valorizar possíveis roteiros turísticos inovadores: turismo de natureza e/ou ambiental, turismo cultural, geo-turismo, turismo espeleológico entre outras possibilidades.Os resultados desta campanha foram apresentados ao Município de Penela no fim-de-semana através de uma apresentação multimédia detalhada, que será transformado em trabalho escrito e científico a ser enviado para a Universidade de Coimbra e Município de Penela. Na apresentação esteve presente o Professor Lúcio Cunha que lisonjeou o trabalho realizado por este grupo, uma vez que é importantíssimo para a continuação do estudo destas grutas que ainda têm tanto por descobrir, assim como permitiu tirar variadas e importantes conclusões sobre a evolução e possível desenvolvimento destas grutas.»
Depois de lerem esta notícia compreendo que até fiquem contentes, mas vamos aos factos...
Sempre defendi e continuo a defender acerrimamente que temos pessoas das mais variadas áreas técnicas e científicas na região de Sicó ou na sua envolvência, as quais têm a competência necessária para fazer coisas fantásticas em prol da região. Todo o know-how pode e deve ser revertido a favor da região, algo que todos concerteza agradecem.
Na espeleologia acontece precisamente isto, há pessoas, há a competência, a vontade e o reconhecimento, mas infelizmente quando a sua opinião é contrária à de algumas pessoas que ocupam certos lugares, mesmo que com toda a razão do mundo, estas mesmas pessoas (espeleólogos) são "postas de lado" e "ignoradas" de alguma forma pela classe política.
Foi precisamente este o caso, em que havendo dois grupos de espeleólogos implantados na região de Sicó, já com historial muito importante, foram ambos postos de lado num processo que obrigatoriamente os deveria envolver, resta saber porquê...
Ao invés fez-se um protocolo com espeleólogos italianos, que vivem a 2000km daqui... Porque é que havendo pessoas extremamente competentes na região no domínio da espeleologia se foi lá fora buscar espeleólogos ? Gostaria também que fosse tornado público quanto é que custou esta "importação sasonal" de espeleólogos estrangeiros.
Já sabia há alguns anos que há, porventura, uma vontade enorme por parte da Câmara Municipal de Penela em abrir as grutas ao público, é natural, mas não reconheço a competência técnica nem científica à mesma para tentar "impor" algo que não pode de forma alguma acontecer sem os devidos estudos técnicos (ainda não estão feitos na sua totalidade). Nesta questão estou perfeitamente à vontade, já que além de ser geógrafo físico sou também espeleólogo e nos últimos anos tenho tido contacto com esta problemática que é a forte tentação de abrir grutas ao turismo, permitindo apenas a destruição a curto prazo de um património muito valioso.
Fico também muito triste ver que algumas pessoas do meio académico apoiam incondicionalmente esta "importação de espeleólogos", já que mais do que ninguém deveriam saber que este é um erro crasso. Fico triste que estas pessoas se esqueçam dos espeleólogos da região de Sicó, que sabem mais do que os espeleólogos italianos e que fazem o mesmo ou melhor (disso tenho a certeza, já que os conheço pessoalmente - embora não fale por eles, mas sim por mim). Fico também triste por saber que a factura até seria muito inferior à dos italianos, será que esta não será mais uma atitude contraproducente?
É uma triste realidade que se observa na região de Sicó, se tivermos duas pessoas com as mesmas qualificações e se uma for estrangeira, é esta que é a boa, pois parece que os que são de Sicó não valem nada, serão inferiores. É pena que assim seja e é algo que me envergonha todos os dias, saber que as coisas são assim nesta região. Curiosamente os que são de cá só quando vão lá fora (do concelho, região ou país) é que são reconhecidos...
Gostaria também de comentar um parágrafo especial:
«Os dados científicos obtidos sobre o ambiente cársico subterrâneo podem também contribuir para a identificação de elementos que caracterizam o património geológico e geomorfológico, elementos que vão constituir a bagagem dos recursos identificativos passíveis de valorizar possíveis roteiros turísticos inovadores: turismo de natureza e/ou ambiental, turismo cultural, geo-turismo, turismo espeleológico entre outras possibilidades.»
Sobre o património geológico e geomorfológico, este já é conhecido e está referenciado, algum até estudado, não sendo desta forma nada de novo. Sobre a "bagagem de recursos passíveis de valorizar" os vários roteiros, esta bagagem já existe e está referenciada, não tendo até agora existido a frontalidade e o know-how para avançar com algumas destas soluções, tudo devido à falta de visão dos autarcas, os quais ignoram os locais, pagando aos lá de fora projectos chave na mão, falando eu neste caso especificamente de empresas. Sobre o turismo espeleológico, considero que não deverá ser uma solução relativamente às duas grandes grutas ali existentes. Falta coragem para dizer abertamente que se pode perder mais do que ganhar no caso de se abrir as grutas ao público. Não compreendo até como é que se permite que haja ocasionalmente visitas guidas por pessoas sem competência técnica para o efeito, para um público que quando visita estas grutas até estraga o que não deve. As infelizes fotos estão na internet...
Conseguem-se fazer coisas bonitas sem abrir as grutas e sem "importações", basta abrir os horizontes e falar com quem sabe, deixando os políticos de parte estereótipos e tabus da idade da pedra. Uma das soluções seria um geoparque Sicó, algo que propûs à 3 anos atrás.
O endocarso é um mundo muito complexo e frágil e não nunca em altura nenhuma a mera opinião de leigos (políticos) na matéria se deve sobrepor à integridade de grutas como estas. Basta procurarem um bocado no google que até conseguem encontrar artigos sobre esta problemática, todos eles com algo em comum, quando a gestão é má o património é afectado de forma irrecuperável, tudo isto num meio onde a mera respiração de visitantes pode colocar em perigo muito do património ali existente. Caso não encontrem enviem-me um mail que que envio-vos alguns artigos.
Penso que aqui o mais grave será o apoio de alguma comunidade académica, a qual não ponderou bem o apoio que deu a este caso e que nunca o deveria ter dado desta forma.
A inteligência só vale algo se houver sabedoria para a acompanhar, algo que manifestamente não é o caso, a política mais uma vez mostra o seu valor na região de Sicó. É um precedente muito grave que surge na espeleologia e tenho pena que assim tenha sido. Ás vezes tenho de ser duro, pois há casos que justificam. Por vezes custa mais, já que conheço algumas pessoas, mas sou e sempre serei imparcial nos comentários que faço e continuarei a fazer em prol do património de Sicó. Sei que isto causa atritos, mas prefiro ter atritos "seja com quem for" do que perder ou deixar depradar este rico património, o qual se tem perdido a uma velocidade assustadora...
O mundo subterrâneo é algo de extraordinário, quando andamos nas profundezas a sensação é inacreditável e a paz que sentimos é das melhores sensações que alguma vez poderemos ter, acreditem! Por vezes é perigoso, mas o que seria a vida sem alguma emoção?
Deixo-vos com imagens do que não deveria acontecer, precisamente numa das grutas de Penela: