É com um enorme orgulho que vos apresento uma nova iniciativa no blogue azinheiragate. Tal como prometido, faço questão em inovar neste espaço dedicado ao património. Nos próximos meses, e numa base regular, serão vários os investigadores convidados a mostrar, em bom português, aquilo que melhor fazem na região de Sicó. Isto independentemente de serem naturais da região, pois aqui o mais importante é o património da região. É mais uma forma de construir pontes entre a ciência e a sociedade. E como bem sabem eu faço questão de trabalhar nestas pontes.
O primeiro investigador convidado é doutorado em Geografia Física (IGOT - Univ. Lisboa) e a sua tese de doutoramento versou sobre a temática: Geobotânica dos Bosques Ripícolas. Parte da região de Sicó foi alvo de investigação por parte do Doutor Estevão Portela-Pereira, daí o convite à elaboração de um texto (original), o qual está dividido em 3 partes. Inicio com a primeira parte deste texto:
Bosques e Galerias Ribeirinhas das Terras de Sicó
Parte 1 – As diferentes comunidades vegetais nativas
A vegetação
nativa de uma região está intimamente relacionada com o seu tipo de clima e solo.
No entanto, no caso da vegetação ribeirinha, mais do que estes factores depende
sobretudo da quantidade de água no solo que é proporcionada ao longo do ano por
um curso de água. Assim sendo considera-se não só a vegetação das margens do
curso de água, mas também a das várzeas e outros fundos de vale afectados pela sua
dinâmica, p.e. quando ocorrem cheias. Devido às características cársicas desta
região de clima sobretudo mesomediterrânico, onde um rio no seu curso pode ter
trechos com água corrente todo ano e outros, logo a seguir, onde essa
escorrência é sobretudo subterrânea, funcionando superficialmente como um curso
de água temporário, a consequência é a ocorrência de vários tipos de bosques e
galerias ribeirinhas nativas.
- Tamargais –
galerias arborescentes dominadas por tamargueira (Tamarix africana Poir.) nos leitos
cascalhentos de cursos de água temporários;
Fig. 1.
Tamargal no leito seco cascalhento do Rio Nabão, ponte da Póvoa (Pelmá –
Alvaiázere)
- Salgueirais-brancos – galerias arbóreas de salgueiros-brancos (Salix alba L. var.
alba e Salix neotricha Goerz)
e choupos-negros mediterrânicos (Populus nigra L. subsp. neapolitana
(Ten.) Asch. & Graebn.) nos
cursos de água permanentes ou semi-permanentes de corrente mediana com margens
arenosas em áreas
margosas/calcárias onde a influência agrícola ancestral é bem marcada.
- Borrazeirais-pretos
– galerias arborescentes ou arbóreas de borrazeira-preta (Salix atrocinerea Brot.) em cursos de água (semi-)permanentes
de corrente fraca e arenosos sobretudo em áreas areníticas; ou então bosques em
várzeas baixas onde o encharcamento/inundação do solo se prolonga para além da
época das chuvas.
- Amiais –
galerias arbóreas de amieiro (Alnus
glutinosa (L.)
Gaertn.) em cursos de água permanentes ou que mantenham humidade no
solo ao longo de todo ano, sobretudo em locais onde a intervenção agrícola
ancestral nas margens dos rios não foi muito intensa (são raras nesta região).
Podem também formar bosques em pauis nas áreas mais deprimidas de grandes
várzeas ribeirinhas.
Fig. 2.
Pequeno amial em Almoster (Alvaiázere) com regeneração de freixos num silvado
em 1.º plano
- Freixiais – galerias
arbóreas de freixo (Fraxinus
angustifolia Vahl subsp. angustifolia) nas
margens de cursos de água sazonais ou que sofram grandes oscilações de caudal e
bosques em várzeas de matriz mais arenosa inundáveis temporariamente apenas em
grandes cheias.
Fig. 3.
Interior de uma galeria de freixial no Rio Nabão, num trecho de leito seco na
ponte de Pechins (Freixianda, Ourém)
- Olmais – galerias
normalmente arborescentes (devido à grafiose – doença que ataca os ulmeiros - Ulmus minor Mill. s.l.)
nas margens de pequenos cursos de água sazonais ou, mais comum, sebes nas
várzeas esporádica e temporariamente inundáveis com solos mais argilosos, e.g.
regos e divisórias dos terrenos ribeirinhos.
- Cercais ribeirinhos
– galerias arbóreas de carvalho-cerquinho (Quercus faginea Lam. subsp. broteroi (Cout.) A.Camus)
em pequenos cursos de água efémeros nas cabeceiras dos rios, cuja degradação
poderá dar origem a louriçais (de Laurus nobilis L.).
Estes
são os tipos de vegetação ribeirinha nativa potencialmente mais complexa que
podem ocorrer nos cursos de água desta região. Infelizmente, dada a intervenção
humana ancestral a vegetação actual pode ser bastante diferente. Para além de
muitos cursos de água não possuírem actualmente galerias arborescentes ou
arbóreas nativas, mas apenas silvados ou juncais e outros prados naturais, não
necessariamente com menor biodiversidade, infelizmente muitos deles de
vegetação nativa já pouco têm. Por um lado esta vegetação foi substituída por
plantações de exóticas, sobretudo nas várzeas, p.e. de choupais de
choupos-negros híbridos (e.g. Populus x
canadensis Moench); ou, por outro, ter sido substituída ou invadida por
espécies exóticas, p.e. as extensas galerias arborescentes de canavial (de Arundo donax L.) que invadem quilómetros de cursos de água nesta
região, ou então salgueirais dominados/invadidos pelo vimeiro-amarelo (Salix alba L. var. vitellina (L.) Ser.), variedade de salgueiro exótico muito utilizado pelos seus
vimes e que com o abandono desta arte se espalharam pelos cursos de água. Ambas
situações são uma ameaça e colocam em causa a biodiversidade destes habitats.
1 comentário:
Muito bom!! Parabéns!
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