23.10.10

Nota negativa para o Jornal Serras de Ansião

Sinceramente não estava nos meus planos próximos comentar algo relacionado directamente com a imprensa regional, mas depois de ler a edição nº244 do Jornal Serras de Ansião era algo de necessário e inevitável.
Falo sobre uma questão que além de ter relação directa com questões patrimoniais, tem também a ver com questões de ética jornalística e moral, por isso mesmo este meu comentário.
Nunca escondi que não aprecio o estilo do Jornal Serras de Ansião, é algo partilhado por muitos daqueles com os quais convivo na região de Sicó, nomeadamente Ansião. Não gosto, porque este Jornal Regional confunde-se demasiado com um folhetim político de determinada côr política ( a imunda da política....), algo que desprestigia quem toma este caminho. Influências diminutas até aceito, mas influências acima do diminuto são algo de inaceitável, como considero que é o caso.
Indo directamente ao assunto, uma pessoa próxima avisou-me que tinha uma notícia interessante para eu ler, algo que obviamente me levou a consultar um exemplar emprestado da edição nº 244 do Jornal Serras de Ansião.
Pegando no jornal reparei algo de estranho, pois a notícia sobre a qual era dada nota de primeira página era uma notícia já com várias semanas. Além disso o título era ridiculamente fantasioso...
Chegando à página do artigo (10) deparei-me com o título "Morcegos não deixam funcionar aerogeradores", algo que me fez esboçar um riso, já que deu-me claramente a entender que quem fez a notícia não investigou jornalísticamente o caso. Logo ali pensei que esta era o que eu denomino como uma manipulação pura da opinião pública a desfavor de uma entidade da qual não faço parte (Quercus), e a favor de um círculo de pessoas ligadas à política com interesse financeiro no parque eólico.
Seguidamente li o conteúdo da peculiar notícia e notei que a mesma era apenas uma interpretação sobre um comunicado da Quercus (quase com 2 meses...).
Sobre isto não há muito a dizer, pois é normal esta interpretação por parte da imprensa, mas....
O último parágrafo (já fora da interpretação do comunicado), contudo, já foi algo mau de mais. Passo a transcrever o que é referido:
«Contra esta posição da Quercus manifestam-se muitos alvaiazerenses, que consideram ser uma associação fundamentalista e retrógada, causadora de muitos prejuízos à economia do país. "Infelizmente estamos à mercê destes idiotas", protestava um grupo de indivíduos
Este parágrafo preocupou-me seriamente, não porque se assemelhe francamente ao discurso do autarca local, mas sim porque mostra que houve aqui algo que não fica bem esclarecido, passando eu a questionar o que não está esclarecido:
- Onde se manifestam muitos alvaiazerenses? (onde?)
- Quando se manifestaram? (quando?)
- Como se manifestaram? (como?)
São razões que têm de ser esclarecidas a bem da verdade jornalística, pois afinal o que acontece é o seguinte:
- Muitos alvaiazerenses são contra a localização do parque eólico na Serra de Alvaiázere.
- Poucos alvaiazerenses são a favor da localização, andando estes curiosamente em órbita constante daqueles que têm interesse económico no parque eólico.
- Que alvaiazerenses terão sido entrevistados? Onde? Porquê? Quando?
Pessoalmente considero que o artigo termina com algo que não corresponde à verdade e que é algo que foi direccionado de forma a manipular a opinião pública por parte de interesses políticos com interesse financeiro no projecto.
Falo com conhecimento de causa, pois além de conhecer como poucos todo o processo escandaloso que levou a um descaracterizar e destruição inaceitável de património natural e construído, participei nas fases de discussão e acompanhamento público do processo, tendo inclusivé dado a nível profissional dois pareceres negativos.
Choca-me que o Jornal Serras de Ansião tenha publicado algo como o que refiro atrás e que não se tenha devidamente informado, pois se soubesse saberia que:
- Apenas um dos geradores irá estar condicionado em termos de funcionamento, já que ali perto situa-se nada mais nada menos do que um abrigo nacional de morcegos, protegido por legislação nacional e comunitária;
- O parque eólico foi chumbado duas vezes, tendo sido a última decisão revogada de forma estranha e em tempo record;
- Que foram sempre apresentadas alterativas à localização deste parque eólico;
- Que foi o próprio Estado a chumbar as duas enunciadas vezes;
- Que foi destruído património de valor internacional;
- Que houve um processo cheio de polémicas e que se arrasta há 6 anos;
- Que foram parcialmente destruídas duas grutas;
- Que foram várias as entidades (Quercus; Al-Baiaz; Grupo Protecção Sicó; Geota; Oikos; FAPAS, entre outros) a dar parecer negativo à localização deste parque eólico, pois o que está em causa é apenas a sua localização;
- Que este caso é uma farsa e que o interesse é fundamentalmente financeiro e para alguns, sendo a questão dos morcegos o alibi perfeito para esconder algo...
- etc, etc etc
Então e sabendo isto e muito mais porque foi o Serras de Ansião dar cobertura à versão estereotipada dos morcegos? Sei que eles são um bom bode expiatório, mas chega de incompetência. Quanto a mim nem é a incompetência que me chateia, é sim o sentido ético e moral da questão.
Intriga-me que sendo o Jornal Serras de Ansião um interessado por questões históricas (já deu algumas excelentes notícias sobre estas temáticas), não refira que naquele Serra existe um enorme povoamento da Idade do Bronze e que este, em conjunção com os valores cénicos, bem como património natural (biótico e abiótico), seja um recurso agora desvirtuado, quando poderia estar a render há décadas rendimentos muito superiores aos que o parque eólico dará à autarquia local. A seu tempo teria sido uma ferramenta estratégica para o desenvolvimento daquele concelho, com benefícios para os concelhos limítrofes.
Poderia o mesmo jornal questionar a população, e não apenas pessoas chave num círculo muito restrito, sobre o que significou o desperdício dos valores que atrás referi, os quais teriam significado em empregos duradouros e um desenvolvimento sustentado para o concelho. Perderam-se milhões e agora que estão em causa migalhas, destruíu-se um valor fundamental que daria os milhões. Quem ganhará com isto?!
Para mim significa algo simples, mentalidades fundamentalistas e retrógadas que causaram danos irreversíveis à economia local, regional e nacional. Estando à mercê de meia dúzia de idiotas que querem apenas lucro imediato, contra tudo e contra todos, o país não vai para a frente, o resultado está á vista...
Este caso ainda vai dar muita polémica, pois há um orgão de comunicação nacional que está a investigar o caso há várias semanas e já descobriu a ponta do novelo...
Felizmente que a democracia nos permite falar, construtivamente e sem maldade, sobre questões incómodas, a bem do património da região de Sicó. Infelizmente tenho pena que a liberdade de imprensa seja cada vez menor em Portugal (Portugal desceu de novo no ranking...), isto é algo bom para os interesses predatórios que têm levado Portugal ao desastre, destruindo tudo aquilo que temos de melhor.
Espero, sinceramente, que o Jornal Serras de Ansião comece a compreender que o seu futuro só será risonho caso enverede por um caminho isento e profissional, em toda a sua acção e não apenas em algumas acções. Este Jornal já provou que quando quer sabe fazer as coisas bem, mas infelizmente quando a política interfere...

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