13.1.17

"Chão de Couce está de luto": crónica de um atentado à identidade local


Fonte: António Simões

Já sabia há uns meses que iriam começar as obras de requalificação daquele largo, já que há que mostrar obra feita para as eleições, contudo, e para não variar, o escrutínio público ficou por fazer. É essa a (i)lógica da política da treta em Ansião e não só, faz-se para "ingês ver" e deixa-se o mais importante, e que não se vê, para segundo plano. O que não esperava é que fizessem o que todos podem ver na fotografia acima e no vídeo. Talvez por isso este projecto tenha estado longe dos holofotes da opinião e debate público, tal como Ansião nos tem habituado ao longo dos mandatos de Fernando Marques e Rui Rocha.
Uma enorme árvore centenária (freixo) e elemento identitário de Chão de Couce, Ansião, foi destruída e, como um local disse, "Chão de Couce está de luto". A desculpa foi a do costume, está em risco, temos de pensar nas pessoas e o blá blá blá do costume. O curioso é o suposto perigo só começou a existir quando se começou a obra... Querem mesmo que eu acredite que havia perigo?! Acredito nisso  e já agora também no pai natal..
Esta árvore não estava doente, é um facto. Se não tinha problemas? Sim, tinha alguns, mas nada que obrigasse ao seu abate. Quando se trata mal uma árvore, ela fica com mazelas. Nunca houve uma cultura de espaços verdes em Ansião (excluo daqui relvados...), daí esta falta de atenção para com o arvoredo. Falei com um amigo botânico e a resposta foi a mesma, a árvore não tinha problemas de monta, portanto não se justificava tal abate.
O fundamentalismo político, que vê estas árvores como um estorvo não é novo, pois infelizmente é o pão nosso de cada dia. Ansião não é mais evoluído do que outros, é igual ou pior, tal como fica à vista. Trata-se de um monumental atestado de incompetência de várias entidades públicas.
Enquanto cidadão e ansianense fico repugnado com mais esta acção fundamentalista, que atenta contra o património e contra a identidade local, tal como os emotivos relatos feitos nas redes sociais têm demonstrado.

Já agora, especialmente para aquelas pessoas que diziam que o freixo estava seco e doente:



Mas vamos agora às justificações da Câmara Municipal de Ansião, referidas num comunicado:

"ESCLARECIMENTO
Tendo em consideração a sensibilidade suscitada pela intervenção no adro da igreja de Chão de Couce, prevista para o presente mandato autárquico, prestamos os seguintes esclarecimentos:

• A árvore (freixo) em causa, que não possuía qualquer classificação patrimonial ou protecção particular, constituía já perigo para a circulação naquela zona e, sobretudo, as suas raízes estavam a interferir com a rede de saneamento naquela área, o que levaria a curto prazo ao mesmo desfecho;

• Do projecto de requalificação do adro da igreja de Chão de Couce foi, em devido tempo, dado conhecimento à Junta de Freguesia de Chão de Couce, tendo merecido a sua aprovação;

• Para a intervenção neste espaço, que embora seja de uso público é propriedade da Diocese de Coimbra, foi obtida autorização e aprovação, através da sua Comissão Diocesana de Arte Sacra, constituída por técnicos credenciados;

• Está prevista a replantação, nos casos em que tal seja possível, das árvores existentes no adro da igreja de Chão de Couce, bem como a plantação de novas árvores de porte considerável, minorando o impacto visual da intervenção;

• Esta intervenção pretende devolver espaço às pessoas e à sua mobilidade, limitando o acesso a automóveis ao interior do adro e reforçando a centralidade da Sede de Freguesia, acrescentando-lhe modernidade e urbanidade, salvaguardando todas as vertentes da riqueza patrimonial e paisagística do espaço em causa.

Tendo plena consciência da referência que o actual figurino do adro representa, acreditamos que a intervenção agora iniciada marcará o futuro do centro de Chão de Couce."

Começando pelo primeiro ponto:

- Desde quando é que o facto de não ter classificação patrimonial ou protecção particular é desculpa para justificar o abate de uma árvore? Gostaria de saber quantas foram as árvores centenárias que a Câmara Municipal de Ansião classificou ou protegeu nas últimas duas décadas, nos mandatos de Fernando Marques e de Rui Rocha. Já agora, porque não é referido neste comunicado que a árvore em causa (freixo) era um marco identitário de Chão de Couce? Não convém ou é incómodo?
- Perigo para a circulação? Porquê? É falso que fosse um perigo para a circulação, trata-se apenas de uma desculpa fácil e esfarrapada, a qual se espera que o pessoal pouco esclarecido acredite cegamente.
- Expliquem-me lá como é que uma árvore centenária pode ter uma taxa de crescimento que dite que "a curto prazo" leve a que seja o que for? Será que, mesmo que fosse essa a situação, uma árvore que era um marco identitário não justificaria uma acção que prevenisse isto mesmo? Mais parece uma desculpa tipo do zé da esquina.
- Se o projecto foi do conhecimento da Junta de Freguesia, porque não foi do pleno conhecimento público, dado o interesse público do projecto? A opinião dos locais não interessa? Democracia participativa, já alguém ouviu falar? Ou será que o povo não é competente para participar na elaboração destes projectos?
- Então se o espaço é de uso público, mas propriedade da Diocese de Coimbra, porque é que a obra é feita com fundos públicos? Importa colocar dinheiro público, mas não interessa o interesse público e a opinião das pessoas? A igreja fica igualmente mal na fotografia.
- Técnicos credenciados da igreja? E os técnicos credenciados fora da esfera da igreja e da política? Já agora, técnicos com credenciação em quê? Assassinar uma árvore destas é pecado caros religiosos!
- Replantação? E a identidade local, que foi posta em causa com o abate injustificado da árvore? Quando se abate uma árvore centenária, é um bocado absurdo e populista falar em replantar, já que nenhum de nós cá estará para ver essas próximas árvores centenárias. Desculpas esfarrapadas...
- Plantação de árvores de porte considerável? O que é "porte considerável"?
- Devolver espaço às pessoas através do abate de uma árvore centenária e objecto identitário? E é necessário sequer fazer obras para limitar o acesso dos carros? Cancelas, conhecem?! Muita demagogia e populismo à mistura. Essa "necessidade" de fazer obras para justificar votos é patética e bem ilustrativa da (i)lógica que move esta classe política sem classe alguma. 
- Modernidade e urbanidade? Modernidade não implica romper com o passado e destruir objectos que fazem parte da identidade local! Urbanidade? Já existia, com identidade, pois não era uma "identidade" fabricada à vontade de duas ou três pessoas! Já agora, sabem realmente o que representa a urbanidade?
Salvaguardando todas as vertentes da riqueza patrimonial e paisagística? Bom sentido de humor, mas infelizmente estamos a falar de coisas sérias e não em discursos de conveniência. É ridículo e absurdo surgir neste contexto, e como argumento, a salvaguarda de todas as vertentes da riqueza patrimonial.
- Modernidade e urbanidade ou estorvo ao arquitecto que elaborou o projecto? Modernidade e urbanidade não é um projecto tipo chapa 5, tal como aconteceu na Vila de Ansião, semelhante a um qualquer por esse país fora.
A plena consciência só existe quando se avalia todas as variáveis em jogo. Claramente aqui não há consciência do que está em jogo, algo que lamento profundamente. 

Tenho lido bastantes comentários de profundo desagrado sobre este estúpido abate de uma árvore de enorme importância e valor patrimonial, material e imaterial, que atravessou várias gerações durante dois ou três séculos, e confesso que há alguns que me impressionam, dada a sua evidente comoção pela perda de identidade e de memórias insubstituíveis.
O que vale é que este ano é ano de eleições autárquicas, portanto lembremo-nos deste atentado à identidade local na hora de votar... E já agora, lembrem-se também que a igreja deu o seu aval a este atentado à identidade local, portanto, e a na hora da esmola, lembrem-se disto mesmo!

7 comentários:

  1. Boa tarde João. Obrigado pelo seu testemunha, ainda que sobre uma triste realidade... Aqui em Torres Novas, de onde sou e moro, a Autarquia está a preparar uma "requalificação" do interior do Castelo, que tem bastante árvores de grande porte. Temo o pior. O João sabe de que maneira posso pedir/perguntar à CM quais as intenções e métodos da requalificação e como aceder aos planos? As CM são obrigadas a divulgar este planos?
    Obrigado.
    Nuno Curado

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  2. Caro João,
    Obrigado por escrever sobre este caso, ainda que sobre uma triste realidade...
    Em Torres Novas, de onde sou e vivo, deverá haver este ano uma "requalificação" do interior do castelo, que também possui várias árvores de grande porte. E temo o pior, como temo sempre que entidades públicas põem as mãos em qualquer espaço verde. Queria-lhe perguntar, caso saiba, como posso fazer para exigir à CM que divulgue os seus planos para o castelo e os ponha em discussão pública. As CM's são obrigadas a isso? Pelo seu exemplo, acho que não...
    Obrigado,
    Nuno Curado.

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  3. Boas, NCurado.
    Sim, pode e deve pedir.
    As Câmaras não dispõem do espaço público como um pertence próprio. É, por definição, público.
    Deve ser concedida a todo o cidadão, mesmo não sendo munícipe, quando o solicite, informação integral dos projectos de intervenção/remodelação.
    Tal se encontra claramente exposto na Lei 26/2016 de 22 de Agosto, em que se transpôs para a legislação nacional, de forma inequívoca, directiva europeia. Atente-se em particular no artigo 5º.
    https://m.facebook.com/groups/1519765108289585?view=permalink&id=1809604179305675
    Saudações.

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  4. Infelizmente vivemos com decisores sem a correcta formação, sem o necessário bom senso e sensibilidade na gestão da coisa pública.
    Excelente texto, caro João Paulo Forte.
    Sinto da sua mágoa e revolta.
    Obrigado.
    Saudações.

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  5. Boas, Nuno Curado.
    Pode solicitar pessoalmente (serviços de atendimento da Câmara) e de forma escrita (mail, carta).
    E não se podem negar ao pedido. Em 2016 foi transposta directiva comunitária para a legislação portuguesa. Atente-se , em particular, no artigo 5º.
    https://dre.pt/application/conteudo/75177807
    Cumprimentos.

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  6. Estou chocada!
    Nasci em Chão de Couce.
    Tenho 71 anos, e o "FREIXO" sempre foi a referência, a presença amiga, a memória viva dos tempos felizes de várias gerações, que passaram por essa terra.
    É inominável este novo-riquismo autárquico, que, além de saloio, é absolutamente indiferente aos valores e interesses das populações.
    Obrigada, por ter chamado a atenção para este atentado.

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