O que começou como apenas uma ideia para um comentário mostrou-se, quanto a mim, um bom fio condutor no que concerne à análise do discurso dos autarcas da região de Sicó, no domínio do ordenamento do território. Iniciei com Pombal e segue-se agora Alvaiázere.
Vou basear esta discussão especialmente em dois artigos publicados no Jornal O Alvaiazerense, orgão de comunicação local manifestamente rendido aos encantos do autarca local.
Inicio com o artigo da edição de 31 de Maio, no qual destaco algumas afirmações do autarca local, Paulo Morgado, sobre um projecto de um parque urbano em plena área rural:
"Este tipo de projectos vem "dar condições às pessoas de voltarem às suas origens e trazer jovens à nossa terra. E portanto é assim que eu acho que se faz o desenvolvimento do território e foi por isso que eu procurei promover aqui este tipo de infra-estrutura"
- Então vejamos, pelo que se lê, o autarca local acha (?) que é assim que se faz o desenvolvimento do território? Em primeiro lugar, o achar é coisa de aprendiz de amador, pois ou se sabe ou não se sabe. O desenvolvimento do território promove-se não se faz ou fabrica por encomenda a um arquitecto. É grave quando isto acontece, mais ainda quando se diz que "eu acho que", pois de sabichões e "engenheiros" está o mundo cheio.
Paulo Morgado demonstra factualmente que eu tenho razão, ao eu defender que os autarcas devem ter formação base em ordenamento do território, pois assim já poderia dizer que sabia e não que acha que sabe.
"o autarca recordou "como era este espaço ainda há meia dúzia de meses atrás: era um espaço extremamente degradado e pouco digno". O Parque Multiusos Municipal de Avanteira veio "trazer mais algum potencial de atracção e mais gente à nossa terra" "
- Então um terreno agrícola é um espaço degradado e pouco digno? Em que medida um parque urbano em área rural traz potencial, per si, aquela freguesia? Se fosse um teste de geografia este autarca estaria chumbado. Em vez de se promover o regresso aos campos, promove-se a impermeabilização dos campos (solos), mostrando total falta de estratégia territorial. É inaceitável que se transforme conceptualmente um terreno agrícola em algo feio, só quem nunca soube o que é cavar terra pode lamentavelmente tentar transformar o que digno em indigno, se é que me faço entender.
"Desde essa altura até à conclusão deste Parque, a Câmara Municipal deparou-se com "uma série de contingentes e problemas, pois isto está em reserva agrícola e reserva ecológica, andámos quase três anos para obter todas as autorizações", referiu Paulo Morgado. "Chegámos a estar quase a inviabilizar a construção das casas de banho, porque não tínhamos autorização para isso, devido à proximidade do leito do rio, do leito de cheia e de estar em reserva ecológica", acrescentou."
- Vejamos, o autarca considera que as regras legalmente instituídas, que visam não só a soberaria alimentar e subsistência agrícola (reserva agrícola) bem como a própria segurança de pessoas (caso das áreas de leito de cheia) como contigentes e problemas? É grave quando alguém diz isto, ainda mais sendo um autarca que devia não só saber factos básicos, como dar o exemplo.
Em jeito de brincadeira, poderia dizer que até se poderia colocar na casa de banho, uma placa a dizer:
- Não utilizar em caso de inundação.
Indo agora para o artigo da edição de 31 de Julho, sobre a inauguração de algumas centenas de metros de estrada, de acesso a um estádio:
"Nós tínhamos alguns constrangimentos nas acessibilidades, sobretudo ao Estádio Municipal, tínhamos aqui a vila confinada a crescimento a poente, e portanto logo em 2006 procurámos com fotografias aéreas, com cartografias, tentar vislumbrar, tentar descobrir, diria assim, uma escapatória do núcleo urbano da vila para poente, que nos permitisse um dia levar-nos até ao litoral".
- Procuraram com fotografias aéreas, com cartografias, tentar vislumbrar uma escapatória do núcleo urbano? Em primeiro lugar, não foi com fotografias aéreas, foi sim com ortofotomapas. Cartografias? Cartografias é no singular, Cartografia meu caro. É lamentável a falta de conhecimento básico, no domínio do ordenamento do território, por parte deste autarca. Em vez de se concentrar nas cartas de ordenamento, de condicionantes e outras mais, este autarca faz as coisas a olho, achando que é assim que se faz. A razão é simples, tudo tem de ser feito à sua maneira, mesmo que isso não se guie pela lógica, ou seja por estudos próprios, baseados no PDM, PP, ou PU. (entre outros).
A lógica de abertura de estradas, por parte deste autarca, comprova a franca iliteracia cultural deste, pois pensa que as coisas se fazem a régua e esquadro, esquecendo que a base territorial precede tudo o resto e que quando se inverte a sua lógica as coisas acabam por correr mal mais tarde ou mais cedo.
Vejam bem também algo que passa quase despercebido, quando ele diz "nos permitisse um dia levar-nos ao litoral". Este autarca queixa-se da desertificação e aqui em vez de dizer "nos permitisse atrair pessoas do litoral" diz "nos permitisse um dia levar-nos ao litoral", mostrando a sua verdadeira face e o seu real interesse, é a minha opinião. Em que ficamos caro autarca? O que é mais importante, trazer pessoas ou afastar as pessoas? A ilusão do estradão tem funcionado apenas como rota de emigração, deixando estes territórios cada vez mais vazios. Quando não se tem confiança no que se faz, bem como competência, há sempre a tendência de sair com frases tipo "nos permitisse levar-nos ao litoral". Será que o interior não tem pontos de interesse nem património, nas quais se possa basear o desenvolvimento territorial? Pelas afirmações deste autarca assim parece... Urge contrariar este tipo de mentalidades mesquinhas, centradas no egocentrismo, no culto da personalidade e no supérfluo.
"Ligar Alvaiázere ao litoral, melhorar o acesso aos equipamentos e serviços públicos, permitir o alargamento da vila para poente e contribuir para a promoção imobiliária, foram algumas das vantagens anunciadas por Paulo Morgado na cerimónia de inauguração"
- Alargamento da vila para poente e contribuir para a promoção imobiliária? Então vejamos, expandir a vila de Alvaiázere para terrenos agrícolas quando a Este da vila há terrenos não agrícolas que podiam ser aproveitados? Tendo dezenas de casas abandonadas na vila de Alvaiázere, que podiam ser recuperadas, para quê alargar? Só se for porque algumas dessas casas foram compradas para demolir, já que a prioridade é alargar estradas, em vez de REABILITAR!
Este autarca sempre disse que queria concentração, mas agora promove a expansão, porquê? Este autarca não refere também que a área urbana (PDM) é muito superior às reais necessidades da escassa população, por isso a minha enorme estranheza desta voracidade de impermeabilização de solos agricultáveis. Onde se vai cultivar o chícharo, (riqueza gastronómica tão pomposamente publicitada por este autarca) em placas de betão ou no solo?
Falta coerência a este autarca, bem como o explicar de muitos projectos, pois há muita coisa por explicar e interesses ocultos que importa conhecer.
Falta coerência a este autarca, bem como o explicar de muitos projectos, pois há muita coisa por explicar e interesses ocultos que importa conhecer.
Promoção imobiliária? Não será antes especulação imobiliária?
"Esta seria talvez a única alternativa que nós teríamos para a acessibilidade para o litoral", afirmou o autarca, acrescentando que "o alargamento da malha urbana seria sempre muito mais fácil para esta zona poente, mais fácil em termos económicos e de investimentos, do que pela zona nascente ou norte, onde a urografia dos terrenos e declives são muito maiores e portanto a construção é sempre muito mais cara o que evitava de alguma forma o desenvolvimento da vila para nascente e para norte".
- Talvez a única alternativa? Então e o acesso, a Sul deste, onde já existe acesso? Será que é preciso ocupar terrenos agrícolas e atulhar linhas de água muito importantes, as quais vão alimentar a nascente do Olho do Tordo? Mais uma vez, há aqui factos que precisam de ser explicados, e como eu sei que o autarca local lê (mas não admite) o azinheiragate, estarei à disposição para que este se explique.
Em termos de alargamento da malha urbana, então desde quando é que a lógica é perverter os instrumentos de gestão territorial só para fique mais barato construir? A elaboração do PDM de segunda geração tem-se prolongado por demasiado tempo, está à vista o porquê, já que o interesse é moldar o PDM à promoção (especulação) imobiliária. Em primeiro lugar tenho sérias dúvidas sobre a legitimidade do alargamento da malha urbana, já que esta é superior às reais necessidades, e mesmo alargando o correcto seria alargar para Este, já que neste direcção os impactos seriam muito reduzidos, ao contrário de na direcção contrária. Em segundo lugar, compromete-se a sustentabilidade a curto, médio e longo prazos só porque desta forma calha melhor às empresas de construção, veja-se só no que vai por aqueles lados. É tudo uma questão de escolher as empresas mais indicadas, senão a escolhida ainda pode ir à falência...
Poderia dizer que isto até é normal, já que há alguns meses atrás ficou por explicar bem a atribuição de um projecto à empresa da vice-presidente, arquitecta de profissão. A explicação do autarca local não convenceu ninguém, só mesmo as pessoas que orbitam em redor de si.
Uma das razões pelas quais eu decidi fazer estes comentários mais robustos, foi o facto de apenas assim muitas pessoas começarem a compreender o que está em jogo e como os nossos autarcas pensam e agem, o que muitas vezes tem impactos tremendamente negativos no território e consequentemente em todos nós, pois somos nós que lá vivemos. Estes autarcas depois de 3 mandatos vão-se embora e muitas vezes quando os problemas começam a ser percepcionados e sentidos pelas pessoas, os autarcas já estão longe, não sendo responsabilizados, daí ser imperativo resolver muitos dos problemas antes mesmo que eles possam surgir. Este autarca, em especial, já conseguiu deixar uma marca bem negativa que em alguns casos já não será possível reverter. Goste ele ou não eu continuarei por aqui, pois o que me move é apenas e só a defesa deste território, pois só defendendo o desenvolvimento (real) do território é que se pode dizer que nos preocupamos com aqueles que nele vivem e fazem a sua vida, isso sim é ser coerente! Tudo o resto é pura demagogia...
Viva Sr. João Forte
ResponderEliminarEstou plenamente de acordo com a sua análise, pena é que alguma ''oposição '' não tome uma atitude mais frontal ás pseudo-melhorias e pseudo-desenvolvimento que esta gente promove.