Há uns anos prometi que, na altura certa, iria contar como tudo se passou naquelas complicadas semanas que se seguiram ao abate de azinheiras na Serra de Ariques, em Novembro de 2007. Muitas pessoas podem pensar que sabem da história verídica, no entanto o facto é que eu nunca contei a ninguém toda a história. Porquê? Simples, em primeiro lugar havia que proteger várias pessoas que, directa ou indirectamente me ajudaram naquela épica aventura. Depois foi bem mais inteligente contar partes segmentadas aos meus amigos. Ou seja, nenhum deles sabia a história no seu todo, mas juntos, todos eles saberiam o que se passou. Acaba por ser uma boa estratégia de protecção pessoal, a qual resultou em pleno.
Neste comentário irei ficar-me pelos factos concretos e, apesar de ir contar toda a história (factos), não irei falar de nomes, pois prometi que iria proteger quem me ajudou activamente ou me apoiou de alguma forma. Tudo o que aqui vou dizer é facilmente comprovável.
Já agora, a máquina fotográfica que agora vos mostro é aquela que muito trabalhou em prol do património, mostrando ao mundo aquilo que alguns negavam. Esta máquina fotográfica já faleceu, no entanto guardei-a, dado o seu muito simbólico valor.
Começando pelo início, algo que vos vai surpreender. Tudo isto começou antes mesmo do abate das azinheiras na Serra de Ariques. Semanas antes, no início de Novembro, eu tinha comentado num fórum de geografia, sobre algumas questões muito problemáticas associadas à construção de parques eólicos. O comentário dava pelo nome de "Parques eólicos e desordenamento do território". Este comentário teve eco a nível nacional, no meio geográfico, e foi aqui que as coisas se começaram a complicar. Para que não haja confusões da vossa parte, mais tarde fiz um outro comentário, similar, portanto não estranhem.
Voltando atrás, quando fiz aquele comentário, nunca pensei que ganhasse a visibilidade que ganhou. Talvez por isso, alguém foi informar certa e determinada pessoa que eu tinha feito um comentário incómodo, o qual apesar de não se referir explicitamente ao projecto de parque eólico na Serra de Alvaiázere, implicitamente tinha muito a ver com o mesmo. Essa certa e determinada pessoa, ao ser informada, terá, alegadamente, dito a uma terceira pessoa que iria tratar do assunto à sua maneira. Só mais tarde vim a saber disto, o que acaba por ter a sua graça, já que eu era próximo dessa mesma terceira pessoa e foi ela mesmo que me disse isto mesmo.
Mas indo então à questão de fundo, no dia 26 de Novembro de 2007, houve uma pessoa que chegou ao gabinete onde então eu trabalhava e perguntou-me se eu sabia do que estavam a fazer na Serra de Ariques. Ela própria estava confusa. Como eu não sabia de nada, também fiquei confuso, pois sendo eu o técnico com competências no ordenamento do território, era estranho, no mínimo, sem o meu conhecimento, estarem a abrir um estradão em plena serra de Ariques. Algo se passava naquela área de Reserva Ecológica Nacional e Rede Natura 2000 e eu tinha obviamente de ir ver o que se passava.
Chegado lá, deparei-me com este cenário que a fotografia mostra sem margem para dúvidas. Sendo eu geógrafo, rapidamente me apercebi da gravidade do sucedido. Tirei várias fotografias e regressei ao meu local de trabalho. Indaguei sobre o assunto e cheguei à conclusão que esta acção tinha sido autorizada pelo autarca local. Isto era muito estranho, pois ninguém lhe daria autorização para cometer tal barbaridade ambiental.
Durante o resto do dia pensei muito naquilo. À noite dormi mal, pensando na complicação que aquilo iria ser. Percebi que tinha duas hipóteses, a primeira era de ficar calado e pactuar com esta ilegalidade, sendo assim cúmplice. Seria muito cómodo, sem dúvida, mas afinal eu não era covarde para ficar no meu cantinho. Escolhi a segunda hipótese, menos cómoda, mas honesta e digna de um bom profissional que ama o seu trabalho e o património natural do seu país. Sabia que, ao escolher esta segunda hipótese, estaria a colocar em risco o meu posto de trabalho, mas afinal eu não era do tipo de pessoas que fica impávida e serena perante esta situação. Além disso, eu nunca fui de pensar num emprego para a vida, ao contrário de outros.
Tomada a decisão, decidi ir em frente, sabendo, no entanto, que se denunciasse a situação pessoalmente, teria sérios problemas. Isso não me impediu de pensar na melhor estratégia para que o caso viesse a público.
E passados poucos dias a estratégia resultou, já que bateu forte. Mesmo eu fui surpreendido, pois em plena página da Quercus, surgia a notícia do abate ilegal das azinheiras. Nessa altura a máquina giratória e a máquina de restos já tinham "fugido" da serra. Os dados estavam lançados e já não havia volta a dar. Naquela altura eu ainda não tinha a bagagem e o conhecimento que tenho hoje em dia, daí ter ficado um bocado surpreendido pelo mediatismo da coisa.
Notei que o ambiente ficou muito pesado no meu local de trabalho, pois toda a gente sabia, mas ninguém ousava falar do caso. Surgiu o tabú azinheiras. Mesmo eu não falava da situação, pois sabia que se o fizesse, teria chatices.
E passados poucos dias, já na primeira quinzena de Dezembro de 2007, numa segunda-feira, fui surpreendido da forma mais amarga. A minha mãe telefonou-me a dizer que eu tinha recebido uma carta registada, da Câmara Municipal de Alvaiázere. Pensei logo para mim o que poderia ser, mas já imaginava. Fui aos serviços administrativos e perguntei porque motivo tinha recebido uma carta, se não teria feito sentido receber em mão. A senhora disse-me, de cabiz baixo: "não sabes?!". Eu respondi-lhe que não. Foi buscar o triplicado da carta e lá estava a informação:
"Venho notificá-lo de que o contrato de trabalho... vai terminar... uma vez que não vai ser renovado", assinado por pelo agora ex. autarca.
O meu mundo desabou naquele momento. Se até então estava tudo correr bem no meu posto de trabalho, porque razão, passadas 2 semanas do abate das azinheiras, eu estava a receber aquela comunicação? Obviamente que percebi logo o motivo, mas custava-me acreditar que em pleno século XXI isto acontecesse. Nesta altura a
imprensa local, regional e nacional deu cobertura a este abate de azinheiras, o que foi liminarmente desmentido pelo, então, autarca local. Meses depois foi-me dada razão, pela tutela, que aquilo era mesmo ilegal.
Perguntam agora vocês, porque razão eu denunciei o caso? Quem disse que a denúncia foi feita por mim? Surpreeendidos? Obviamente que fui eu que tratei que a denúncia fosse feita, mas efectivamente não fui eu que, na prática, denunciou. Quem foi nem sequer soube que era eu que lhe estava a comunicar o facto, embora pudesse ter imaginado. Quem fez a denúncia foi uma pessoa com muitos conhecimentos e muito bem posicionada.
Durante as semanas que se seguiram a imprensa foi a Alvaiázere várias vezes. Uma delas foi caricata, pois o jornalista (Diário as Beiras) foi levado até à Serra de Ariques, mas, antes de chegar ao sítio onde tudo se passou, estava, de forma miraculosa, um tractor a barrar o caminho. Estranha forma de apanhar lenha... Foram vários os episódios caricatos ocorridos, todos eles públicos.
Desde o dia 26 de Novembro em diante, nunca consegui pedir explicações a Tito Morgado. Este deixou de fazer o trajecto que costumava fazer diariamente, por detrás do edifício onde eu estava. Não sei se era para me evitar, mas que foi curioso foi. Nem um e-mail me enviou, tal como era costume fazer até então.
Por Dezembro adiante fui alvo de pressões inimagináveis. Tito Morgado continuava a negar o abate das azinheiras e então começou a afirmar que a minha saída se devia ao não cumprimento de algumas tarefas e não a uma suposta represália pela denúncia do abate das azinheiras. Nunca provou isto mesmo, pois felizmente que havia actas para comprovar que eu tinha cumprido tudo aquilo que me tinha sido incumbido. Houve também meia dúzia de pessoas que também me tentaram fazer a vida negra, ficando até incomodadas com o facto de, na minha hora de almoço andar a passear pela Serra de Ariques.
Foi nesta altura que me lembrei de fazer algo que nunca tinha feito, ou seja colocar vídeos no youtube. Foi aí que fiz, talvez, o mítico vídeo de,
uma verdade inconveniente, versão Serra de Ariques. Nessa altura era inconcebível que alguém tivesse a coragem de fazer algo do género, mas isso não me impediu de fazer algo que pudesse mostrar ao mundo o que Paulo Morgado tinha autorizado e que, de forma taxativa, negava. Ao contrário do que este afirmou, eu não o fiz por qualquer vingança, mas sim por justiça e seriedade. Este colocou a minha vida pessoal e profissional em causa só porque, supostamente lhe fiz frente. Possivelmente este autarca não estava habituado a tal frontalidade, mas num país democrático podemos e devemos fazer isto mesmo. É raro, eu sei, mas é possível.
Tentou mover-me um processo disciplinar, contratando uma advogada, mas não teve sucesso. Mal sabia que, antes mesmo de eu ser chamado ao seu gabinete para falar com a advogada, eu já estava precavido, pois um passarinho já me tinha avisado que iria acontecer isto mesmo. Já tinha inclusivamente contactado um reputado advogado que, analisado o caso, afirmou que, e passo a citar, "é claramente uma situação de perseguição política". Felizmente que não foi necessário recorrer mais ao mesmo.
Mandou cortar a internet no computador que eu utilizava no meu posto de trabalho, algo que não me fez confusão porque eu não o utilizava para outros fins que não os indicados. Curiosamente não chegou a saber que afinal ainda tive acesso à internet o tempo suficiente para me salvaguardar... Este procedimento (impedir o funcionário de trabalhar) é proibido por lei, daí eu ter feito uma queixa sobre o facto. Fui impedido de trabalhar até ter metido férias, até ao final do contrato.
Foi nesta altura que percebi os amigos que tinha e que tinha muitas pessoas que, no final, me ajudaram imenso, que me protegeram em toda esta situação, seja colegas de trabalho ou amigos.
Houve uma altura que me fui abaixo, tendo parado os trabalhos da tese de mestrado durante 4 meses. Mas como bem se diz, o que não nos mata torna-nos mais fortes. Fiquei com uma visibilidade enorme e aproveitei a mesma em prol da defesa do património e do bem público. Não foi nada fácil, mas foi esta luta que me tornou um profissional reconhecido perante os meus pares. Foi esta luta que me levou às várias entrevistas em jornais, revistas e televisão, ganhando o património com isso.
Desde então denunciei todas as ilegalidades graves que tive conhecimento em Alvaiázere (e não só). Se até então havia algo que me limitava na minha acção enquanto cidadão, essa barreira deixou de existir com a minha saída do posto de trabalho que ocupava.
Muito sinceramente tenho muito a agradecer a Paulo Morgado, pois o que parecia que ia ser "o meu fim", foi apenas o meu "início". O que este autarca desencadeou foi afinal muito positivo. Fui para o desemprego, estando 1 ano a ganhar quase 1000 euros de subsídio de desemprego (quase o mesmo que ganhava a trabalhar!). Tive direito a subsídio de férias e natal em 2008 e ainda recebi uma compensação por sair, ou seja mais uns milhares. Aproveitei o tempo disponível para me dedicar ao mestrado, que concluí ainda nesse ano.
Passado esse ano, ainda tive direito a 600 euros por 6 meses e 300 euros por mais 6 meses. Aproveitei a oportunidade e concorri então a uma bolsa do doutoramento, conseguindo os meus objectivos e concluindo mais aquele degrau do conhecimento. Em Ansião chamamos a isto uma lição de vida...
Ao contrário do que este ex. autarca continuou a insistir, eu não fiquei com aquele sentimento patético vingança, pois a vingança é um mal que não nos leva a lado nenhum e que, aliás, é um mal que não me assiste. Fiquei com um sentimento de missão cumprida, de ter dado uma verdadeira lição de cidadania, de moral e de ética a quem fica muito incomodado quando em vez de palmas leva com críticas, mesmo que honestas e devidamente fundamentadas. Desde então, este, agora ex. autarca, já fez uma queixa sobre a minha pessoa, acerca de um
comentário que o incomodou. Ainda bem que o fez, pois reforçou ainda mais a minha legitimidade, já que o Ministério Público não lhe deu razão e deu-me razão na legitimidade em criticar algo de concreto, baseando-me apenas nos factos. No final, pagou as custas judiciais e abriu um precedente... Foi mais uma bofetada de luva branca, entre muitas outras até então.
Como se costuma dizer, conhecimento é poder e eu gosto muito do conhecimento. Diria que é um dos meus vícios, querer saber mais e mais, o que acaba por ser uma chatice para algumas pessoas.
Confesso que não foi fácil guardar esta espécie de segredo por tantos anos, mas após a saída do agora ex. autarca, já me senti preparado para partilhar publicamente o "segredo da azinheira".
Nunca desistam de ser honestos, pois fazendo o bem e confrontando o mal é possível chegar longe. Eu provei isso mesmo!