É um título forte, admito, mas afinal a intenção é precisamente mexer fortemente com as opiniões de cada um, seja ansianense ou não. Diria eu que é inevitável que, de agora em diante, certas pessoas possam descontextualizar o título que dei a este comentário, de forma a o utilizarem a meu desfavor. Por isso mesmo passo a explicar o título "Ansião: esta "não é" a minha Vila", evitando assim "chico-espertismos".
Obviamente que Ansião é e sempre será a minha Vila, já que sempre o foi, no entanto as obras de regeneração da Vila de Ansião vieram mexer com algo que me diz bastante, a minha identidade. Assim sendo, este título apenas pode ser utilizado contextualizado desta forma, já que o utilizo apenas e só para alertar que houve algo que correu muito mal, que desenraíza parte da memória de uma Vila com história.
Falo, claro, da perspectiva não só de cidadão, mas também de geógrafo.
Assim sendo, começo com uma primeira imagem, a qual é nada mais nada menos do que quase que um tapume, o qual tem o intuito de tapar o espaço de uma casa demolida, mesmo no centro da Vila de Ansião. Acho curiosa esta frase que consta no mesmo, a qual apela para a celebração da memória numa altura onde parte dela desapareceu...
Será que as obras devem ser celebradas, tal como foram efectuadas? A minha resposta é simples, não. Celebrar a memória não significa, de todo, fazer-se o que foi feito...
É certo que concordei com as obras, mas não da forma como acabaram por ser efectuadas, já que descaracterizaram gravemente a Vila de Ansião. E mesmo assim, inicialmente ainda havia a ideia peregrina de fazer um estacionamento subterrâneo, facto que felizmente não veio a concretizar-se.
Já critiquei fortemente o facto de ali terem colocado granito, o qual não faz nem nunca fez parte da memória da Vila Ansião. Como é que falando-se tanto da memória de uma área cársica se utiliza granito? Isto chama-se a perversão do objecto patrimonial. Ansião parece-se agora como uma outra qualquer Vila de Portugal, será isto aceitável? Será isto valorizar o local?
Fala-se também do facto de ter havido participação pública, tantas vezes sublinhada pela Câmara Municipal, mas afinal esta participação pública começou já quando as obras estavam prestes a começar...
É certo que se falou antecipadamente com os lojistas, mas isso nada tem a ver com participação pública pura e dura. Para que tivesse existido verdadeiramente participação pública, os projectistas deveriam ter começado a falar com os ansianenses muitos meses antes das obras, pois só assim as ideias da comunidade poderiam ter algum reflexo no projecto final. Este tipo de projectos faz-se com as pessoas e para as pessoas, é assim que se faz em todo o lado, ou pelo menos onde isso acontece mesmo.
Participei numa das reuniões públicas, mas isso só me fez ver que o processo foi completamente enviezado, afinal o olho estava dormente. Em vez de se ter um projecto guiado pelos ansianenses, tem-se um projecto no qual as ideias dos projectistas tornaram a Vila de Ansião igual a muitas outras. Isto resultou basicamente num processo que desvirtuou a Vila de Ansião, num perigoso processo de homogeneização cultural.
O que prevaleceu foi a ideia de um arquitecto e engenheiro, mesmo que fosse, como se vê, uma ideia estereotipada sobre o que deve ser o centro histórico de uma Vila com especificidades próprias e intransmissíveis. Poderia ter-se feito tudo de uma outra forma e não é o facto de ter um pequeno rectângulo de calçada portuguesa no meio daquela obra, que há legitimidade na coisa.
Sinceramente até estou surpreendido pelo facto de, em conversas várias, me ter apercebido que parte significativa das pessoas não ter gostado muito do desvirtuar da Vila. Concordam que está mais bonito, mas afinal as obras poderiam ter sido feitas de uma outra forma e mesmo assim ficarem bonitas e com a memória respeitada.
Um dos pouco factos que me agrada, mas que poderia ser feito à mesma caso as obras tivessem tido outro rumo, é agora as pessoas com menor mobilidade (ex. cadeiras de rodas) terem muito mais facilidade para se deslocarem na Vila de Ansião. Mobilidade que, noutro prisma, está afectada a nível de manobras de carros de maior dimensão, caso de veículos de bombeiros.
Falando agora naquilo que as próximas imagens mostram, o desaparecimento de muito do verde que por ali existia, as imagens falam por si. Preocupa-me seriamente que os projectistas tenham decidido colocar aquelas árvores que têm apenas uma função visual e pouco mais.
Quanto a uma outra questão, que não se vê, mas que decorre do desaparecimento do verde e da ainda maior impermeabilização do solo. No verão a temperatura ali será maior, o que obviamente tem os seus impactos em termos de conforto humano. A obra não teve em conta aspectos básicos neste domínio, mas futuramente irei destacar esta questão, em termos de climatologia urbana.
Pessoalmente não achei graça alguma aqueles pequenos jactos de água, implantados no chão, pois além de não fazerem parte da memória do centro da Vila, são apenas um desperdício recursos valiosos...
Deixo-vos agora com algumas imagens do antes e do depois das obras, as quais servem para reflectirmos um bocado sobre aquilo que pretendemos para o nosso território: