12.12.18

Ver a Natureza com olhos de ver: reflectir é uma necessidade, não uma opção


No dia que escrevo este comentário lançaram-me um desafio, o de abordar a questão da caça. Isto depois de, numa rede social, e num grupo de Pombal, ter comentado sobre a questão da caça à raposa. O desafio foi-me lançado por um administrador do grupo em causa, ou seja o Isaac Mendes. Como o repto era interessante, decidi falar mais uma bocadinho do tema, já que de vez em quando falo aqui da questão da caça.
Hoje vou ser mais abrangente (embora não vá abarcar tudo nem de perto nem de longe..) pois irei falar de raposas, ginetas, javalis e outras coisas mais. Começando pela raposa, confesso que fico chocado com tanto ódio às raposas, algo que só acontece por uma clara iliteracia ambiental da população, com uns pózinhos de preconceito e estereótipo. Há vários episódios que vos posso contar sobre as raposas na região de Sicó. O mais triste é a quantidade de raposas atropeladas que jazem na berma da estrada (tal como ouriços caixeiros). Também triste é a imagem que guardo na minha memória de uma raposa que sobreviveu a um grande incêndio em Alvaiázere e que, à noite, encontrámos bastante perturbada no meio de um estradão naquela imensa área ardida. Mas há histórias felizes e uma delas foi ao pé de casa, a escassos metros do IC8, ao pé da nascente do rio Nabão. ia de bicicleta, vindo do Camporês, e virei naquele entroncamento que segue pela estrada municipal. O barulho de um camião a passar no IC8 tornou-me inaudível à raposa que ia na direcção do IC8, em busca do jantar do outro lado da estrada (animais mortos que lá colocavam num terreno, um problema e uma ilegalidade...). Distraída com o barulho do camião, só se apercebeu de mim quando estava a 5 metros dela, tendo mandado um salto daqueles que só visto. A felicidade por aquele momento mágico, de proximidade, foi algo de fenomenal!
Este ano o fim da caça à raposa foi chumbado, fruto da pressão do lóbi da caça, que gosta de ter todo o tipo de alvos disponível. Para mim este chumbo é um disparate sem sentido e sem fundamento, já que o problema não são as raposas. Como exemplo prático de que não são um problema, falo daquela acção de um particular lançar aves mortas para um terreno, que serviu como chamariz para as raposas, tornando também potencialmente vulneráveis as galinheiras da zona. Será que o problema era mesmo a raposa ou quem perturbou a dinâmica natural?
É nesta altura que alguns de vós dizem que elas matam as vossas galinhas e é aqui mesmo que vos pergunto se uma rede em pé significa segurança para as galinhas. Das várias pessoas que eu já ouvi queixarem-se das raposas lhes ir aos galinheiros, todas elas ficaram sem resposta, já que de facto não tinham capoeiras dignas desse nome. Não garantem a segurança às galinhas e depois queixam-se... típico. Já parece o pessoal que tem rebanhos e diz mal dos lobos, mas que quando se vai a ver nem um cão tem para garantir a segurança dos rebanhos (tendo um ou mais cães os ataques são virtualmente inexistentes). 
Será que já parámos para pensar e perceber que o problema somos nós, com a destruição de habitats e com a fragmentação de habitats? Já agora, quantos exemplos vocês conhecem, em Portugal, de infra-estruturas que permitam o atravessamento em segurança nas estradas que nós construímos em cima dos habitats dos outros animais? Pois é...
Falemos agora de ginetas e de saca-rabos. Eu tenho uma galinheira, onde estão as minhas belas galinhas. Há uns anos, e porque nunca tinha tido problemas, facilitava, não fechando as galinhas à noite. Tinham um recinto murado (2 metros) e isso já era uma boa segurança, pensava eu... No espaço de 2 anos houve vários ataques, quase todos perpetrados por uma gineta ou saca-rabos (não sei qual deles...). Resultado? Quase 20 galinhas mortas. O que fiz? Comecei a fechá-las à noite. Mas mesmo aí foram novamente atacadas, já que o bichinho encontrou um buraco entre a parede e o telhado. O que fiz? Tapei e nunca mais tive problemas. Isto é que poucos fazem, preferindo apontar o dedo à raposa, gineta ou saca-rabos. Quase todas as pessoas com as quais falei sobre isto me disseram: era "matá-los a todos" (os animais em causa). Já não disseram o mesmo quando um cão me atacou as galinhas e matou 5 já grandes, aí já era coitadinho do cão que estava com fome ou que fugiu do dono. Uma coisa é certa, se eu visse por lá uma raposa não a matava e se apanhasse o cão a história seria bem diferente... E aí surgiria o fanatismo de alguém ligado a alguma pseudo associação de amigos dos animais, com 7 pedras na mão...
Mas falemos agora de javalis. É uma história complicada, pois eles são uma praga que, imagine-se, são alimentados por alguns caçadores, aos quais importa manter exemplares suficientes para fazer a típica batida ao javali. Lembram-se daquele estradão ilegal que, alegadamente denunciei na Serra de Ariques, em Alvaiázere, em 2007? A razão principal era alegadamente para ter uma estrada para a batida ao javali...
É uma realidade que conheço bem, pois em miúdo uma das tarefas que tinha de fazer era um trilho no mato, a ver se algum javali tinha ficado no laço. Comi vários javalis e sendo a carne bem cozinhada era um mimo! E para a arca congeladora era uma boa reserva para uns meses.
Há inclusivamente caçadores que colocam óleo queimado em poças, para os javalis... Um atentado ambiental daqueles à maneira. 
No caso dos javalis, defendo a caça aos mesmos, contudo não no molde actual, o qual priveligia uma acção que se foca apenas no extermínio dos animais, em vez de uma necessária gestão da espécie, que regularmente causa prejuízos substanciais a alguns agricultores. 
Resumindo, não há uma gestão da coisa, seja com os javalis, raposas ou outros mais. Há sim um dispara e o resto é secundário. E o lóbi da caça continua a perverter a lógica. Tenho vários amigos caçadores e os mais novos são mais conscientes, contudo há ainda muita cabeça cheia de palha no mundo dos caçadores (já vi coisas muito mázinhas feitas pelos caçadores, ao contrário de coisas positivas, que escasseiam). As coisas têm melhorado nos últimos anos mais  porque os velhotes vão deixando a caça. E não me deixo enganar pela retórica do lóbi da caça, que tenta manter o status quo. Isto mesmo que o paradigma em torno da caça seja actualmente bem diferente do de algumas décadas.
O problema essencial é um só, ou seja a falta de consciência de todos nós sobre o mundo natural, uns em maior grau outros em menor grau. Estamos cada vez mais afastados dos valores naturais e isso tem consequências gravíssimas a todos os níveis. Não é portanto de admirar que haja quem aplauda caça à raposa, por um lado, e, por outro, que ache que é correcto ter máquinas de lavar roupa velhas a servir de abrigo para gatos vadios (o lóbi das rações para gatos e cães já é muito grande...). Poucos vão compreender o que quis dizer com isto, mas quanto a isso só posso fazer uma coisa, pugnar pela literacia ambiental.
Eu tive a felicidade de na infância ter como recreio a floresta, algo que me expôs a toda uma série de elementos, tornando-me alguém muito próximo da Natureza e dos valores naturais. O facto de aos domingos de manhã a "missa" ser o BBC Vida Selvagem também ajudou. 
Não pretendo que todos sejam como eu, mas sim que todos sejam conscientes do que vos rodeia, concretamente a Natureza e os valores naturais. São a nossa casa e o suporte da nossa existência, sabiam?
Para terminar, e de forma a resumir tudo isto, sugeria-vos que lessem um livro daqueles com potencial de transformar a vossa visão sobre o mundo natural. O título é "Pensar como uma montanha" e o autor é Aldo Leopold. Um livro de fácil leitura. Aos que o fizerem, no final da leitura falem comigo sff...

Sem comentários: