11.6.10

Caiar o património: uma tradição quase extinta

De volta a Portugal, depois de mais um congresso, volto de novo às "hostilidades" no azinheiragate. Como já devem ter reparado, a aparência do blog está diferente, penso que para melhor. Relativamente aos conteúdos, estes serão alvo permanente de melhoria, já que estamos sempre a aprender, desde que nascemos até ao nosso último dia (há quem pense que se aprende tudo até aos 30...).
Desta vez venho falar-vos de uma arte secular, uma arte ainda com reflexos na região de Sicó, mas que infelizmente está quase extinta....
A arte de caiar as paredes dos edifícios, nomeadamente das casas, apesar de algo simples, é tremendamente eficaz, barata e utiliza(va) matéria-prima da região, a pedra calcária. Não me vou alongar nesta fase sobre o método de transformação da pedra calcária em cal, isso será alvo de um outro comentário nas próximas semanas.
Infelizmente hoje em dia reina a tinta plástica, menos amiga do ambiente. Como curiosidade, tenho um colega que outrora transportou matéria-prima do Alentejo para uma fábrica de tintas em Soure, algo que é sempre preocupante tendo em conta a importação regional de matéria-prima...
Voltando ao assunto da cal propriamente dita, este é um tema que me diz muito, já que em tempos fiz alguns trabalhos de caiação, algo que se pode revelar bastante perigoso derivado da reacção da cal com a água (ferve), caso atinja um olho pode-se ficar cego...
Fui ao meu baú de fotos, no qual achei duas fotos, as quais tive de digitalizar, e tive então o exemplo perfeito para mostrar visualmente o antes e o depois da caiação. Não tenho problema algum em divulgar as fotos, no entanto faço as normais medidas de protecção, já que já utilizaram fotos minhas sem autorização e isso não perdoo (sem que divulguem pelo menos o nome do autor). As fotos são do verão de 2003, na Serra do Casal Soeiro.
Esta capela situa-se num local muito conhecido por muitos ansianenses, e foi utilizado por mim em 2002 e 2003 (verão) como um local de vigia de incêndios, dada a sua excelente visibilidade em alguns quadrantes e octantes chave para a vigia.
Foi num destes dias que o senhor que construiu esta capela, infelizmente já falecido, parou ali na sua motorizada para meter conversa. Era uma pessoa sábia e aprazível de ouvir e nesse dia falámos na questão do mau estado em que a capela estava. Ele referiu que estava a pensar pintar a capela mas já não tinha idade, nessa altura eu disse-lhe que pintar era algo que não fazia naquele caso específico (apesar de também saber), mas que gratuitamente lhe caiava a capela, já que o tradicional era a cal e não tinta plástica.
Combinou-se e ele comprou o pincel a cal e o fixador de cal, logo depois fiz o que me comprometi, caiei a capela e tornei aquele local um bocado mais bonito. Fiz uma mistura forte e caiei a quente, pois é assim que se faz melhor, o resultado está à vista na segunda foto:

Sim, aquele fulano meio mal encarado na foto sou mesmo eu há uns aninhos....

Devido às condições agrestes naquela serra, passados quase 10 anos a capela já necessita de mais uma caiadela, mas isso já não depende de mim. No entanto fica aqui o repto a todos que não deixem cair de vez uma arte que já foi rainha na região de Sicó, os fornos de cal já foram quase todos, poucos são os que estão minimamente aptos para recuperação...

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